“O Direito administrativo disciplina a atividade administrativa de satisfação de direitos fundamentais, seja ela desempenhada pelo Estado ou por entidades não estatais.O relevante, portanto, é a natureza da atividade e os fins a que ela se norteia, não a qualidade do sujeito que a desenvolve”.

Marçal Justen Filho


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Exoneração de cargo em comissão. Realmente precisa de motivação?


exoneracao de cargo em comissao
Exoneração de cargo em comissão. Realmente precisa de motivação? Aplicação da Teoria dos motivos determinantes.

Resumo: O ato de exoneração do ocupante de cargo comissionado constitui-se em ato administrativo de natureza discricionária, não exigindo, portanto, a indicação do motivo que enseja a sua realização, contudo, em sendo este apresentado no ato deve este ser verdadeiro e existente, sob pena de decretação de sua nulidade com base na Teoria dos Motivos Determinantes.


Cargo Público segundo a Lei 8.112/1990 é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.

            O renomado Professor José dos Santos Carvalho Filho conceitua cargo público da seguinte forma:
“Cargo Público é o lugar dentro da organização funcional da Administração Direta e de suas autarquias e fundações públicas que, ocupado por servidor público, tem funções específicas e remuneração fixadas em lei ou diploma a ela equivalente”.

            Novamente, José dos Santos conceitua cargo comissionado como sendo:

“Cargos de ocupação transitória.Seus titulares são nomeados em função da relação de confiança que existe entre eles e a autoridade nomeante.A natureza desses cargos impede que os titulares adquiram estabilidade.Por outro lado, assim como a nomeação para ocupa-los dispensa a aprovação  prévia em concurso público, a exoneração do titular é despida de qualquer formalidade especial e fica a exclusivo critério da autoridade nomeante.Por essa razão é que são considerados de livre nomeação e exoneração (Art. 37, II, CF)”.

            A Constituição Federal de 1988 faz referência aos cargos comissionados da seguinte forma:
                                   Art. 37. (...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma previstas em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento

            Em regra o ocupante de cargo em comissão é nomeado e exonerado livremente, a teor do art. 37, II da Constituição da República Federativa do Brasil, pois o seu provimento é provisório sendo desempenhado de forma precária. Logo o seu eventual ocupante, em regra, não possui qualquer direito a permanecer no cargo.

            A anulação da nomeação de servidor ocupante de cargo em comissão é ato discricionário da Administração Pública, em atendimento a conveniência e oportunidade, cujo mérito do ato não pode ser revogado pelo judiciário.

            Diversos são os julgados dos Tribunais do País inclusive do STJ no sentido de que é livre a nomeação e exoneração de cargo em comissão, senão vejamos alguns posicionamentos que chegou ao STJ:


a) RECURSO  EM  MANDADO  DE  SEGURANÇA.  DIREITO ADMINISTRATIVO. DIRETOR DE ESCOLA PÚBLICA. DISPENSA. CARGO EM COMISSÃO. EXONERAÇÃO "AD  NUTUM" . LEGALIDADE. RECEBIMENTO DE  VENCIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE.

I.  É  firme  a  jurisprudência  desta  Corte  no  sentido  de  que  os  ocupantes  de  cargos comissionados ou de funções gratificadas, em razão da instabilidade do vínculo  e da precariedade da admissão, podem ser demitidos ad nutum.

II.  Não  havendo,  nenhuma  ilegalidade  na  exoneração  do  autor,  do  cargo  de diretor de escola, demissível a qualquer tempo, não há que se falar em direito líquido e certo ao direito de receber os vencimentos relativo ao período pleiteado pelo recorrente.

Recurso desprovido
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 18.684 - PR (2004/0097264-4)

b) RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO.  CARGO  EM COMISSÃO.  LIVRE  NOMEAÇÃO  E  EXONERAÇÃO.  GESTANTE. REINTEGRAÇÃO.IMPOSSIBILIDADE. RECURSO  ORDINÁRIO DESPROVIDO.

1. Os ocupantes de cargos em comissão não possuem direito a permanência no cargo, podendo ser exonerados a qualquer momento, de acordo com os critérios de conveniência e oportunidade da Administração. Precedentes.

2. Consoante as informações prestadas, a dispensa se deu em razão da aposentadoria do Juiz com o qual a impetrante trabalhava como assessora. Portanto,  passível de exoneração ad nutum, e não pelo fato fato de a recorrente estar grávida. É inviável, portanto, anular o ato administrativo que exonerou a impetrante, com um dia de licença-maternidade.

Recurso  ordinário desprovido.
RMS 25138 / MG RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2007/0218266-6

c) ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. MÉDICA VETERINÁRIA NO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO DE FISCAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. DISPENSA. ART. 54 DA LEI 9.784/99. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. A agravante, servidora pública municipal, postula a manutenção da designação ocorrida há treze anos para atuar como Fiscal de Vigilância Sanitária do Município de Florianópolis, em face do disposto no art. 54 da Lei 9.784/99.

2. Decisão do Tribunal de origem no sentido de que a designação efetivada pela Lei Municipal 4.565/94 vinculava o recebimento da gratificação de produtividade ao exercício das atividades de vigilância sanitária.

3. Afasta-se a alegação de decadência do ato administrativo que, em cumprimento ao Termo de Ajustamento de Conduta, revoga a designação para o exercício de função gratificada, a qual é passível de exoneração a qualquer momento, de acordo com os critérios de conveniência e oportunidade da Administração.

4. Agravo regimental não provido.

AgRg no REsp 1254628 / SC AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2011/0111734-5

            Outrossim, apesar do ocupante de cargo em comissão puder ser exonerado a critério da administração livremente, será nulo e sem nenhum efeito o ato administrativo que indicar expressamente fato que não corresponda ao que realmente aconteceu na realidade fática.

            O motivo é um requisito de validade do ato administrativo, é a situação de fato e de direito que determina ou autoriza a prática do ato.

Não devemos confundir o motivo do ato com a motivação do mesmo.Motivação é a declaração escrita do motivo que determinou a prática do ato.É a demonstração, por escrito, de que os pressupostos autorizadores da prática do ato realmente estão presentes, isto é, de que determinado fato aconteceu e de que esse fato se enquadra em uma norma jurídica que impõe ou autoriza a edição do ato administrativo que foi praticado.

            Como exemplos podemos considerar que na concessão da licença-maternidade, o motivo será sempre o nascimento do filho do servidor; na punição do servidor, o motivo é a infração por ele cometida; na ordem para a demolição de um prédio, o motivo é o perigo que ele representa, em decorrência de sua má conservação; no tombamento, o motivo é o valor histórico do bem.

             Na demissão de um servidor, o elemento motivo é a infração por ele praticada, determinante dessa modalidade de punição; já a motivação consiste na caracterização, por escrito, da infração (pressuposto de fato).

            A doutrina afirma que a nomeação e exoneração de ocupantes de cargos em comissão são um dos casos escassos de atos que não precisam de motivação ( chamadas de nomeação e exoneração ad nutum).

            A Lei 9784/1999 em seu art. 50 enumerou expressamente os atos administrativos que exigem motivação, senão vejamos:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V - decidam recursos administrativos;
VI - decorram de reexame de ofício;
VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.
§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
§ 2o Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.
§ 3o A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.

            O presente artigo informado acima explicita que a motivação não é obrigatória para todo e qualquer ato administrativo – não obstante o seu status de um verdadeiro principio administrativo. Afinal, ao indicar expressamente os atos que exigem motivação, o legislador está admitindo, ainda que implicitamente, que pode haver atos que dispensem de motivação sendo a nomeação e exoneração de cargos em comissão um exemplo típico que se enquadra nessa afirmação.

            Ademais, os atos discricionários podem, ou não, ser motivados por escrito, mas a doutrina enfatiza que a regra é a obrigatoriedade de motivação, como decorrência dos princípios constitucionais da publicidade, da moralidade e do amplo acesso ao Poder Judiciário.

            No Direito Administrativo, existe a teoria dos motivos determinantes, amplamente adota pela doutrina, onde consiste em explicitar que a administração pública está sujeita ao controle administrativo e judicial relativo à existência e à pertinência ou adequação dos motivos fáticos e legais que ela declarou como causa determinante da prática de um ato.

            O Ato será nulo se não for demonstrada a situação declarada no ato entre a situação que realmente ocorreu na prática. O pressuposto de fato deve  corresponder ao pressuposto de direito.

            A teoria dos motivos determinantes possui aplicação no âmbito dos atos vinculados e discricionários.

            Como exemplo podemos considerar a nomeação e exoneração do servidor ocupante de cargo em comissão que independe de motivação declarada. A administração como demonstrado, pode nomear e exonerar livremente o ocupante do cargo comissionado. Porém  caso ele decida motivar o ato, ficará sujeito a análise da existência e da adequação do motivo exposto no ato.

            Dessa forma, se a autoridade competente para nomeação e exoneração do servidor, exonerar um comissionado motivando o ato, afirmando que o servidor agiu com inassiduidade habitual (a falta ao serviço, sem causa justificada, por sessenta dias, interpoladamente, durante o período de doze meses.), pode o servidor contestar tal fato perante o judiciário ou no âmbito da própria administração mediante recurso administrativo, alegando que o motivo exposto é inexistente, provando que não faltava ao serviço e nem se atrasava.

            Assim se o servidor, não teve faltas nem atrasos durante o período em que esteve exercendo seu cargo, ficaria evidente a inexistência do motivo declarado como determinante do ato de exoneração. Esse ato, portanto, seria inválido e nulo podendo a qualquer tempo ser anulado pela própria administração que o editou ou pelo Poder judiciário se provocado.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, também reconhece a aplicabilidade da Teoria dos Motivos Determinantes na dispensa de ocupante de cargo comissionado, nesse sentido:          
EMENTA: - Função de Assessoramento Superior-FAS. Por ser de provimento em confiança, não fazem jus, os seus ocupantes, ao benefício da estabilidade extraordinária outorgada pelo art. 19 do A.D.C.T., em face da restrição expressa no § 2º do mesmo dispositivo. Estando, porém, vinculado, o ato de dispensa do impetrante, a motivo inexistente (norma de medida provisória não inserta na lei de conversão), deve o decreto ser anulado e reintegrado o agente na função, conservada a característica da possibilidade de exoneração, ao nuto da autoridade. Mandado de segurança, para essa finalidade concedido. (STF. MS 21.170/DF. Rel. Min. Octávio Gallotti. Tribunal Pleno. DJ: 21/02/1997)
Da mesma forma ocorrerá se o motivo indicado não for verdadeiro, ou seja, em havendo a criação de suposto motivo para a prática do ato exoneratório aplica-se a Teoria dos Motivos Determinantes.

A invocação de “motivos de fato” falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto a obrigação de enunciá-los, o ato só será válido se estes realmente ocorreram e o justificavam .

Diante de todo o exposto, conclui-se que o ato de exoneração do ocupante de cargo comissionado não exige motivo para a sua prática, o que o caracteriza como ato de natureza discricionária, no que tange a liberdade de ação do gestor.

Autor: Fabio Ximenes é advogado e Professor de Direito Administrativo em Brasília-DF.Atuante na advocacia em demandas que envolvem concursos públicos, servidores públicos e licitações e contratos administrativos.

Um comentário:

  1. Muito bom artigo Fabio! Me tirou uma dúvida quanto à um questão que tratava exatamente do tema: anulação de exoneração de cargo comissionado quando a administração motivou o ato indevidamente.

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