Exoneração de cargo em comissão. Realmente precisa
de motivação? Aplicação da Teoria dos motivos determinantes.
Resumo:
O ato de exoneração do ocupante de cargo comissionado constitui-se em ato
administrativo de natureza discricionária, não exigindo, portanto, a indicação
do motivo que enseja a sua realização, contudo, em sendo este apresentado no
ato deve este ser verdadeiro e existente, sob pena de decretação de sua
nulidade com base na Teoria dos Motivos Determinantes.
Cargo
Público segundo a Lei 8.112/1990 é o conjunto de atribuições e
responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas
a um servidor.
O
renomado Professor José dos Santos Carvalho Filho conceitua cargo público da
seguinte forma:
“Cargo Público é o lugar dentro da organização
funcional da Administração Direta e de suas autarquias e fundações públicas
que, ocupado por servidor público, tem funções específicas e remuneração
fixadas em lei ou diploma a ela equivalente”.
Novamente, José dos Santos conceitua
cargo comissionado como sendo:
“Cargos de ocupação transitória.Seus titulares são
nomeados em função da relação de confiança que existe entre eles e a autoridade
nomeante.A natureza desses cargos impede que os titulares adquiram
estabilidade.Por outro lado, assim como a nomeação para ocupa-los dispensa a
aprovação prévia em concurso público, a
exoneração do titular é despida de qualquer formalidade especial e fica a
exclusivo critério da autoridade nomeante.Por essa razão é que são considerados
de livre nomeação e exoneração (Art. 37, II, CF)”.
A Constituição Federal de 1988 faz
referência aos cargos comissionados da seguinte forma:
Art. 37.
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público
depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e
títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na
forma previstas em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado
em lei de livre nomeação e exoneração
V - as funções de confiança, exercidas
exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em
comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e
percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção,
chefia e assessoramento
Em regra o ocupante de cargo em
comissão é nomeado e exonerado livremente, a teor do art. 37, II da
Constituição da República Federativa do Brasil, pois o seu provimento é
provisório sendo desempenhado de forma precária. Logo o seu eventual ocupante,
em regra, não possui qualquer direito a permanecer no cargo.
A anulação da nomeação de servidor
ocupante de cargo em comissão é ato discricionário da Administração Pública, em
atendimento a conveniência e oportunidade, cujo mérito do ato não pode ser
revogado pelo judiciário.
Diversos são os julgados dos
Tribunais do País inclusive do STJ no sentido de que é livre a nomeação e exoneração
de cargo em comissão, senão vejamos alguns posicionamentos que chegou ao STJ:
a) RECURSO
EM MANDADO DE
SEGURANÇA. DIREITO
ADMINISTRATIVO. DIRETOR DE ESCOLA PÚBLICA. DISPENSA. CARGO EM COMISSÃO.
EXONERAÇÃO "AD NUTUM" .
LEGALIDADE. RECEBIMENTO DE VENCIMENTOS.
IMPOSSIBILIDADE.
I. É firme
a jurisprudência desta
Corte no sentido
de que os
ocupantes de cargos comissionados ou de funções
gratificadas, em razão da instabilidade do vínculo e da precariedade da admissão, podem ser
demitidos ad nutum.
II. Não havendo,
nenhuma ilegalidade na
exoneração do autor,
do cargo de diretor de escola, demissível a qualquer
tempo, não há que se falar em direito líquido e certo ao direito de receber os
vencimentos relativo ao período pleiteado pelo recorrente.
Recurso desprovido
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 18.684 - PR
(2004/0097264-4)
b) RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
ADMINISTRATIVO. CARGO EM COMISSÃO.
LIVRE NOMEAÇÃO E
EXONERAÇÃO. GESTANTE.
REINTEGRAÇÃO.IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.
1. Os ocupantes de cargos em comissão não possuem
direito a permanência no cargo, podendo ser exonerados a qualquer momento, de
acordo com os critérios de conveniência e oportunidade da Administração.
Precedentes.
2. Consoante as informações prestadas, a dispensa
se deu em razão da aposentadoria do Juiz com o qual a impetrante trabalhava
como assessora. Portanto, passível de
exoneração ad nutum, e não pelo fato fato de a recorrente estar grávida. É
inviável, portanto, anular o ato administrativo que exonerou a impetrante, com
um dia de licença-maternidade.
Recurso
ordinário desprovido.
RMS 25138 / MG RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA 2007/0218266-6
c) ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL.
MÉDICA VETERINÁRIA NO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO DE FISCAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA.
DISPENSA. ART. 54 DA LEI 9.784/99. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A agravante, servidora pública municipal,
postula a manutenção da designação ocorrida há treze anos para atuar como
Fiscal de Vigilância Sanitária do Município de Florianópolis, em face do
disposto no art. 54 da Lei 9.784/99.
2. Decisão do Tribunal de origem no sentido de que
a designação efetivada pela Lei Municipal 4.565/94 vinculava o recebimento da
gratificação de produtividade ao exercício das atividades de vigilância
sanitária.
3. Afasta-se a alegação de decadência do ato
administrativo que, em cumprimento ao Termo de Ajustamento de Conduta, revoga a
designação para o exercício de função gratificada, a qual é passível de exoneração
a qualquer momento, de acordo com os critérios de conveniência e oportunidade
da Administração.
4. Agravo regimental não provido.
AgRg no REsp 1254628 / SC AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL 2011/0111734-5
Outrossim, apesar do ocupante de
cargo em comissão puder ser exonerado a critério da administração livremente,
será nulo e sem nenhum efeito o ato administrativo que indicar expressamente
fato que não corresponda ao que realmente aconteceu na realidade fática.
O motivo é um requisito de validade
do ato administrativo, é a situação de fato e de direito que determina ou
autoriza a prática do ato.
Não devemos confundir o motivo do ato com a
motivação do mesmo.Motivação é a
declaração escrita do motivo que determinou a prática do ato.É a demonstração,
por escrito, de que os pressupostos autorizadores da prática do ato realmente
estão presentes, isto é, de que determinado fato aconteceu e de que esse fato
se enquadra em uma norma jurídica que impõe ou autoriza a edição do ato
administrativo que foi praticado.
Como exemplos podemos considerar que
na concessão da licença-maternidade, o motivo será sempre o nascimento do filho
do servidor; na punição do servidor, o motivo é a infração por ele cometida; na
ordem para a demolição de um prédio, o motivo é o perigo que ele representa, em
decorrência de sua má conservação; no tombamento, o motivo é o valor histórico
do bem.
Na demissão de um servidor, o elemento motivo
é a infração por ele praticada, determinante dessa modalidade de punição; já a
motivação consiste na caracterização, por escrito, da infração (pressuposto de
fato).
A doutrina afirma que a nomeação e
exoneração de ocupantes de cargos em comissão são um dos casos escassos de atos
que não precisam de motivação ( chamadas de nomeação e exoneração ad nutum).
A Lei 9784/1999 em seu art. 50
enumerou expressamente os atos administrativos que exigem motivação, senão
vejamos:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser
motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou
interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou
sanções;
III - decidam processos administrativos de concurso
ou seleção pública;
IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de
processo licitatório;
V - decidam recursos administrativos;
VI - decorram de reexame de ofício;
VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada
sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios
oficiais;
VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou
convalidação de ato administrativo.
§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e
congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de
anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso,
serão parte integrante do ato.
§ 2o Na solução de vários assuntos da mesma
natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das
decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.
§ 3o A motivação das decisões de órgãos colegiados
e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo
escrito.
O presente artigo informado acima
explicita que a motivação não é obrigatória para todo e qualquer ato
administrativo – não obstante o seu status de um verdadeiro principio administrativo.
Afinal, ao indicar expressamente os atos que exigem motivação, o legislador
está admitindo, ainda que implicitamente, que pode haver atos que dispensem de
motivação sendo a nomeação e exoneração de cargos em comissão um exemplo típico
que se enquadra nessa afirmação.
Ademais, os atos discricionários
podem, ou não, ser motivados por escrito, mas a doutrina enfatiza que a regra é
a obrigatoriedade de motivação, como decorrência dos princípios constitucionais
da publicidade, da moralidade e do amplo acesso ao Poder Judiciário.
No Direito Administrativo, existe a
teoria dos motivos determinantes, amplamente adota pela doutrina, onde consiste
em explicitar que a administração pública está sujeita ao controle
administrativo e judicial relativo à existência e à pertinência ou adequação
dos motivos fáticos e legais que ela declarou como causa determinante da
prática de um ato.
O Ato será nulo se não for
demonstrada a situação declarada no ato entre a situação que realmente ocorreu
na prática. O pressuposto de fato deve
corresponder ao pressuposto de direito.
A teoria dos motivos determinantes
possui aplicação no âmbito dos atos vinculados e discricionários.
Como exemplo podemos considerar a
nomeação e exoneração do servidor ocupante de cargo em comissão que independe
de motivação declarada. A administração como demonstrado, pode nomear e
exonerar livremente o ocupante do cargo comissionado. Porém caso ele decida motivar o ato, ficará sujeito
a análise da existência e da adequação do motivo exposto no ato.
Dessa forma, se a autoridade
competente para nomeação e exoneração do servidor, exonerar um comissionado
motivando o ato, afirmando que o servidor agiu com inassiduidade habitual (a
falta ao serviço, sem causa justificada, por sessenta dias, interpoladamente, durante
o período de doze meses.), pode o servidor contestar tal fato perante o
judiciário ou no âmbito da própria administração mediante recurso
administrativo, alegando que o motivo exposto é inexistente, provando que não
faltava ao serviço e nem se atrasava.
Assim se o servidor, não teve faltas
nem atrasos durante o período em que esteve exercendo seu cargo, ficaria
evidente a inexistência do motivo declarado como determinante do ato de
exoneração. Esse ato, portanto, seria inválido e nulo podendo a qualquer tempo
ser anulado pela própria administração que o editou ou pelo Poder judiciário se
provocado.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
também reconhece a aplicabilidade da Teoria dos Motivos Determinantes na
dispensa de ocupante de cargo comissionado, nesse sentido:
EMENTA: - Função de Assessoramento Superior-FAS.
Por ser de provimento em confiança, não fazem jus, os seus ocupantes, ao
benefício da estabilidade extraordinária outorgada pelo art. 19 do A.D.C.T., em
face da restrição expressa no § 2º do mesmo dispositivo. Estando, porém,
vinculado, o ato de dispensa do impetrante, a motivo inexistente (norma de
medida provisória não inserta na lei de conversão), deve o decreto ser anulado
e reintegrado o agente na função, conservada a característica da possibilidade
de exoneração, ao nuto da autoridade. Mandado de segurança, para essa
finalidade concedido. (STF. MS 21.170/DF. Rel. Min. Octávio Gallotti. Tribunal
Pleno. DJ: 21/02/1997)
Da mesma forma ocorrerá se o motivo indicado não
for verdadeiro, ou seja, em havendo a criação de suposto motivo para a prática
do ato exoneratório aplica-se a Teoria dos Motivos Determinantes.
A invocação de “motivos de fato” falsos,
inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando a lei não
haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato.
Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei
não haja expressamente imposto a obrigação de enunciá-los, o ato só será válido
se estes realmente ocorreram e o justificavam .
Diante de todo o exposto, conclui-se que o ato de
exoneração do ocupante de cargo comissionado não exige motivo para a sua
prática, o que o caracteriza como ato de natureza discricionária, no que tange
a liberdade de ação do gestor.
Autor: Fabio Ximenes é advogado e Professor de Direito Administrativo em Brasília-DF.Atuante na advocacia em demandas que envolvem concursos públicos, servidores públicos e licitações e contratos administrativos.
Muito bom artigo Fabio! Me tirou uma dúvida quanto à um questão que tratava exatamente do tema: anulação de exoneração de cargo comissionado quando a administração motivou o ato indevidamente.
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