Infelizmente ainda é comum que
candidatos aprovados em concursos públicos sejam excluídos da fase de
sindicância da vida pregressa e investigação social por ter o nome inscrito nos
órgãos de proteção ao crédito, o SPC e a SERASA.
Juridicamente é possível se
chegar à conclusão de que é totalmente abusivo esse tipo de conduta.O candidato
não pode ser impedido de exercer o cargo por ter restrição financeira em seu
nome.
Tal ato é contrário às
diretrizes traçadas pelo Estado Democrático de Direito e fere os princípios da
legalidade e da igualdade.
O inciso I e II do Art. 37 da
Constituição da República é firme informando que o acesso aos cargos e empregos
públicos devem preencher requisitos estabelecidos em lei, senão vejamos:
Art. 37. A administração
pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I – os cargos, empregos e
funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos
estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II – a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de
provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou
emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em
comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
De acordo com a leitura acima,
a Constituição Federal de 1988 conferiu à lei o regulamento de acesso aos cargos
e empregos públicos.Na esfera Federal existe a lei 8.112/1990 que disciplina o
Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das
Fundações Públicas Federais.Os Estados e o Distrito Federal também possuem
autonomia para criar leis que disciplinará a carreira de seus servidores.
Tomando como referência a lei
federal dos servidores da União, encontramos no art. 5º do diploma os
requisitos básicos para investidura em cargo público, senão vejamos:
Art. 5º São requisitos básicos
para investidura em cargo público:
I – a nacionalidade brasileira;
II – o gozo dos direitos
políticos;
III – a quitação com as
obrigações militares e eleitorais;
IV – o nível de escolaridade
exigido para o exercício do cargo;
V – a idade mínima de dezoito
anos;
VI – aptidão física e mental.
Analisando as exigências da lei, pelo menos na esfera federal,
chega-se a conclusão de que não há
requisito e obrigatoriedade de ter o nome fora dos órgãos restritivos de
crédito.
Ademais, há também o § 1º da
lei que informa:
§ 1º As atribuições do cargo podem justificar a
exigência de outros requisitos estabelecidos em lei.
Essas outras exigências a que o
parágrafo alude, não pode, de maneira alguma, estabelecer requisitos que contrariem
princípios constitucionais, principalmente o principio da isonomia previsto no
art. 5º da Carta Superior, abaixo:
Art. 5º Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes
O Ilustre Celso Antonio
Bandeira de Melo, diz também com brilhantismo:
“Os concursos públicos devem
dispensar tratamento impessoal e igualitário aos interessados. Sem isto
ficariam fraudadas suas finalidades. Logo, são inválidas disposições capazes de
desvirtuar a objetividade ou o controle destes certames. É o que,
injuridicamente, tem ocorrido com a introdução de exames psicotécnicos
destinados a excluir liminarmente candidatos que não se enquadrem em um
pretenso ‘perfil psicológico’, decidido pelos promotores do certame como sendo
o ‘adequado’ para os futuros ocupantes do cargo ou emprego.
Exames psicológicos só podem
ser feitos como meros exames de saúde, na qual se inclui a higidez mental dos
candidatos ou, no máximo – e ainda assim, apenas no caso de certos cargos ou
empregos, para identificar e inabilitar pessoas cujas características
psicológicas revelem traços de personalidade incompatíveis com o desempenho de
determinadas funções” (In Curso de Direito Administrativo, 11ª ed., São Paulo:
Malheiros, 1999, págs. 194 – 195).
O Conselho Especial do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal não entende diferente, quando declarou a nulidade
de ato administrativo de Secretário do GDF que excluiu uma candidata do
concurso público do cargo de técnico penitenciário, uma vez que seu nome
constava nos registros de inadimplência no processo nº 20080020155074MSG.Segue íntegra da noticia de autoria do TJDF:
Inscrição no SPC não impede
candidata de participar de concurso
O Conselho Especial do TJDFT
declarou a nulidade de ato administrativo de Secretário do GDF que excluiu uma
candidata do concurso público ao cargo de técnico penitenciário, uma vez que
seu nome constava nos registros de inadimplência no SPC. A decisão, por
maioria, foi publicada no Diário da Justiça desta segunda-feira, 13/7.
A autora informa que participou
do concurso público para provimento de vagas para o cargo de técnico
penitenciário, regido pelo Edital nº 1/2007 - SEJUSDH, e que foi aprovada nas
três primeiras etapas do certame. No entanto, foi contra-indicada na
sindicância de vida pregressa e investigação social realizadas, em razão de ter
seu nome incluído no SPC e no SERASA. Diante disso, requereu que fosse
declarada a nulidade do ato administrativo que a excluiu do certame,
assegurando sua participação nas demais fases do concurso.
O Secretário de Segurança
Pública do Distrito Federal sustenta que a candidata deve ter idoneidade moral
inatacável, sendo esse requisito exigido pelo edital regulador do certame, bem
como pela Lei Distrital nº 3.669/2005, que criou a carreira de atividades
penitenciárias. Acrescenta que a candidata foi inabilitada em face de constar
contra ela treze registros de inadimplência no SPC, além de um registro de
emissão de cheque sem provisão de fundos, todos em 2008. Reafirma a necessidade
de os candidatos ao cargo de técnico penitenciário terem a conduta inatacável
em virtude da natureza das atividades a serem desempenhadas nos
estabelecimentos prisionais do DF, sob pena de infiltração do crime organizado.
Após muitos debates, os
desembargadores favoráveis à concessão da segurança concluíram que a idoneidade
de alguém deve ser medida pela conduta demonstrada num período relevante de
tempo, de forma continuada. Assim, a despeito da previsão legal e editalícia,
não se considerou inidônea pessoa que teve registradas treze anotações por
inadimplência no espaço de um ano. Isso porque razões conjunturais da economia
poderiam explicar o desequilíbrio financeiro concentrado no período, sem
evidenciar desvio de caráter.
O Desembargador George Leite,
responsável pela relatoria do feito, explica que a utilização do cheque há
muito deixou de ser uma ordem de pagamento à vista para se constituir em
promessa de pagamento futuro. O magistrado registra que essa é uma prática
consagrada na praxe comercial, que pode, eventualmente, configurar o crime de
estelionato quando se apresenta com dolo preordenado - que ocorre quando o
agente emite o cheque com o intuito de burlar a boa-fé do credor. "O que
poderia efetivamente desaboná-la no exercício da importante função policial
seria a contumácia, a deturpação da personalidade evidenciada na prática
reiterada desse tipo de conduta, que não é o caso", conclui o relator.
A exclusão da candidata, em tal
situação, mostrou-se, portanto, abusiva, uma vez que ela preencheu corretamente
os requisitos estabelecidos para o cargo pretendido. A medida teria, ainda,
configurado violação ao princípio da proporcionalidade/razoabilidade, até
porque "em diversos precedentes este Tribunal têm admitido em cargos
públicos candidatos que respondem a processo criminal, em face do princípio da
presunção de inocência".
Em vista do exposto, o debate
sobre a idoneidade financeira de candidato em concurso público sob o argumento
de que essa restrição impede que psicologicamente possa dificultar o desempenho
das funções do cargo ou emprego público, extrapola a órbita do interesse da
sociedade afastando os critérios objetivos de avaliação do candidato. É
irrelevante e ilegítimo a investigação sobre a vida financeira dos candidatos a
cargos e empregos públicos pois esse tipo de questionamento interfere na vida
privada do sujeito, figurando-se assim um critério subjetivo de avaliação.
Por tudo isso, o concurso
público e suas fases de seleção deve ser conduzido através de critérios
objetivos, definidos em lei, sob pena de nulidade que pode ser declarado pela
Administração e também pelo Poder Judiciário.
Fonte: TJDFT
Fonte: TJDFT
Nº do processo: 20080020155074MSG
Autor: Fabio Ximenes é advogado
especialista em concursos públicos.Professor de Direito Administrativo e
parecerista na área do Direito Público.
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